VII






Manifestações depois da morte


Acabamos de seguir o espírito do homem através das diferentes fases do desprendimento: sono ordinário, sono magnético, sonambulismo, transmissão do pensamento e telepatia, em todas as suas formas. Vimos a sua sensibilidade e os seus meios de percepção aumentarem na razão do afrouxamento dos laços que o prendem ao corpo. Vamos agora vê-lo no estado de liberdade absoluta, isto é, depois da morte, manifestando-se ao mesmo tempo física e intelectualmente aos seus amigos da Terra. Não há solução de continuidade entre esses diferentes estados psíquicos. Quer esses fenômenos se dêem durante a vida material ou depois, são idênticos nas suas causas, nas suas leis e nos seus efeitos; produzem-se segundo modos constantes.


Há continuidade absoluta e graduação entre todos esses fatos, desvanecendo-se assim a noção de sobrenatural, que por muito tempo os tornou suspeitos à Ciência. O antigo adágio: “A Natureza não dá saltos” verifica-se mais uma vez. A morte não é um salto: é a separação e não a dissolução dos elementos que constituem o homem terrestre; é a passagem do mundo visível ao mundo invisível, cuja delimitação é puramente arbitrária e devida simplesmente à imperfeição dos nossos sentidos. A vida de cada um de nós no Além é o prolongamento natural e lógico da vida atual, o desenvolvimento da parte invisível do nosso ser. Há concatenação no domínio psíquico, como no domínio físico.


Nas duas ordens de aparições, quer dos vivos exteriorizados, quer dos defuntos, é sempre, como vimos, a forma fluídica, o veículo da alma, reprodução ou, antes, esboço do corpo físico, que se concretiza e se torna perceptível para os sensitivos. A Ciência, depois dos trabalhos de Becquerel, Curie, Le Bon, etc., familiariza-se de dia para dia com os estados sutis e invisíveis da matéria, numa palavra, com os fluidos utilizados pelos Espíritos nas suas manifestações, e que os espíritas bem conhecem. Graças às descobertas recentes, a Ciência pôs-se em contacto com um mundo de elementos, de forças, de potências, cuja existência nem sequer imaginava, e mostrou-se-lhe afinal a possibilidade de formas de existência durante muito tempo ignoradas.


Os sábios que estudaram o fenômeno espírita, Sir W. Crookes, R. Wallace, R. Dale Owen, Aksakof, O. Lodge, Paul Gibier, Myers, etc., verificaram numerosos casos de aparições de pessoas mortas. O Espírito Katie King, que durante três anos se materializou em casa de Sir W. Crookes, membro da Academia Real de Londres, foi fotografado em 26 de março de 1874, na presença de um grupo de experimentadores. (82)


Sucedeu o mesmo com os Espíritos Abdullah e John King, fotografados por Aksakof. O acadêmico R. Wallace e o Dr. Thompson obtiveram a fotografia espírita de suas respectivas mães, falecidas havia muitos anos. (83)


Myers fala de 231 casos de aparições de pessoas mortas. Cita alguns tirados dos Phantasms. (84) Assinalemos nesse número uma aparição anunciando uma morte iminente: (85)


“Um caixeiro viajante, homem muito positivo, teve certa manhã a visão de uma sua irmã que falecera havia nove anos. Quando contou o fato à família, foi ouvido com incredulidade e cepticismo; mas, ao descrever a visão, mencionou a existência de uma arranhadura na face da irmã. Essa particularidade de tal maneira impressionou sua mãe, que ela caiu desmaiada. Depois que voltou a si, contou que fora ela que, sem querer, fizera essa arranhadura na filha, no momento em que a depunha no caixão; que, em seguida, para disfarçá-la, cobrira-a com pós, de modo que ninguém no mundo estava a par dessa particularidade. O sinal que seu filho vira, pois, prova a veracidade da visão e ela viu nele ao mesmo tempo o anúncio da sua morte que, efetivamente, sobreveio algumas semanas depois.” (86)


Devem ser citados igualmente os casos seguintes: o de um mancebo que se comprometera, se morresse primeiro, a aparecer a uma donzela, sem lhe causar grande susto. Apareceu efetivamente um ano depois à irmã dela, no momento em que ia subir para uma carruagem; (87) o caso do Sr. Town, cuja imagem foi vista por seis pessoas;(88) o caso da Sra. de Fréville, que gostava de freqüentar o cemitério e passear em volta da campa do marido e aí foi vista, sete ou oito horas depois do seu falecimento, por um jardineiro que por ali passava;(89) o de um pai de família, falecido em viagem e que apareceu à filha com um vestuário desconhecido que, depois de morto, uns estranhos lhe haviam vestido. Falou-lhe de uma quantia que ela ignorava estar em seu poder. A exatidão desses dois fatos foi reconhecida ulteriormente; (90)o caso de Edwin Russell, que se fez visível ao seu mestre de capela com a preocupação das obrigações e compromissos contraídos durante a vida.(91) Finalmente, o caso de Robert Mackenzie. Quando ainda o patrão ignorava a sua morte, apareceu-lhe ele para desculpar-se de uma acusação de suicídio que pesava sobre a sua memória. Foi reconhecida a falsidade dessa acusação, por ter sido acidental a sua morte. (92)


Na memória apresentada ao Congrès International de Psychologie de Paris, em 1900, o Dr. Paul Gibier, diretor do Instituto Pasteur de Nova Iorque, fala das “materializações de fantasmas” (93) obtidas por ele no seu próprio laboratório, na presença de muitas senhoras da sua família e dos preparadores que habitualmente o auxiliavam nos seus trabalhos de biologia. As ditas senhoras tinham especialmente o encargo de vigiar a médium, Sra. Salmon, despi-la antes da sessão para lhe examinarem os vestidos, sempre pretos, ao passo que os fantasmas apareciam de branco. Por excesso de precaução, metiam a médium dentro de uma gaiola metálica fechada com cadeado e, durante as sessões, o Dr. Gibier não largava a chave.


Foi nessas condições que se produziram, à meia-luz, formas numerosas, talhes diferentes, desde aparições de crianças até fantasmas de alta estatura. A formação é gradual, opera-se à vista dos assistentes. As formas falam, passam de um lugar para outro, apertam as mãos dos experimentadores. “Interrogadas – diz Paul Gibier –, declaram todas ser entidades, pessoas que viveram na Terra, Espíritos desencarnados, cuja missão é nos mostrarem a existência da outra vida.”


A identidade de um desses Espíritos foi estabelecida com precisão: a de uma entidade chamada Blanche, parenta falecida de duas senhoras que assistiam às sessões, as quais puderam abraçá-la repetidas vezes e conversar com ela em francês, língua ignorada da médium.


No congresso espiritualista realizado no mesmo ano em Paris, na sessão de 23 de setembro, o Dr. Bayol, senador das Bocas do Ródano, ex-governador de Dahomey, expunha verbalmente os fenômenos de aparição dos quais foi testemunha em Arles e Eyguières. O fantasma de Acella, donzela romana, cujo túmulo está em Arles, no antigo cemitério de Aliscamps, materializou-se a ponto de deixar uma impressão do seu rosto em parafina fervente, não em entalhe, como se produzem habitualmente as moldagens, mas em relevo, o que seria impossível a qualquer ser vivo. Essas experiências, cercadas de todas as precauções necessárias, efetuaram-se na presença de personagens tais como o prefeito das Bocas do Ródano, o poeta Mistral, um general de Divisão, médicos, advogados, etc. (94)


Numa ata, com a data de 11 de fevereiro de 1904, publicada pela Revue des Études Psychiques, de Paris, (95) o Prof. Milèsi, da Universidade de Roma, “um dos campeões mais estimados da nova escola psicológica italiana”, conhecido na França por suas conferências na Sorbonne sobre a obra de Auguste Comte, deu público testemunho da realidade das materializações de Espíritos, entre outras a de sua própria irmã falecida em Cremona havia três anos.


Damos aqui um extrato dessa ata:


“O que de mais maravilhoso houve nessa sessão foram as aparições, que eram de natureza luminosa, posto que se produzissem na meia claridade. Foram em número de nove; todos os assistentes as viram... As três primeiras foram as que reproduziram as feições da irmã do Prof. Milèsi, falecida havia três anos em Cremona, no convento das Filhas do Sacré-Coeur, com a idade de 32 anos. Apareceu sorrindo, com o esquisito sorriso que lhe era habitual. Do mesmo modo o Sr. Squanquarillo viu uma aparição, na qual reconheceu sua mãe. Foi a quarta. As cinco restantes reproduziam as feições dos dois filhos do Sr. Castoni. Este afirma ter sido abraçado pelos filhos. ter conversado com eles várias vezes, ter recebido respostas suas e apertos de mãos; sentiu-os, mesmo, sentarem-se nos seus joelhos.” Assinaram J. B. Milèsi, P. Cartoni, F. Simmons, J. Squanquarillo, etc.


No seu artigo do Figaro de 9 de outubro de 1905, intitulado: Par delà la Science, Ch. Richet, da Academia de Medicina de Paris, dizia, a propósito de outros fenômenos da mesma ordem: “O mundo oculto existe. Correndo embora o risco de ser tido pelos meus contemporâneos como insensato, creio que há fantasmas.”


O célebre Prof. Lombroso, da Universidade de Turim, no número de junho de 1907 da revista italiana Arena, expõe o resultado de suas experiências com Eusápia Paladino: fenômenos de levitação, transportes de flores, etc. e acrescenta:


“O leitor vai interpelar-me com ar de compaixão e perguntar-me: “Não se deixou simplesmente ludibriar por farsantes vulgares?” O fato indiscutível é que com Eusápia tomaram-se as medidas de precaução mais absolutamente rigorosas contra a possibilidade de qualquer fraude, porque se lhe ligavam as mãos e os pés, ficando uns e outros cercados por um fio elétrico que, ao menor movimento, punha em ação uma campainha. O médium Politi foi, na Sociedade de psicologia de Milão, metido nu em pêlo, num saco, e a Sra. d’Espérance ficou imobilizada numa rede como um peixe e, não obstante, os fenômenos se produziram.


Depois de tudo isso assisti ainda a sessões em que Eusápia Paladino em transe dava respostas exatas e muito sensatas em línguas que ela não conhecia, como, por exemplo, o inglês. Juntando a esses fatos pessoais tudo o que soube das experiências de Crookes com Home e Katie King, das do médium alemão que fazia às escuras as mais curiosas pinturas, adquiri a convicção de que os fenômenos espíritas se explicam, pela maior parte, por forças inerentes ao médium e também, por um lado, pela intervenção de seres supraterrestres, que dispõem de forças das quais as propriedades do radium podem dar idéia, por analogia.


...Um dia, depois do transporte, sem contacto, de um objeto muito pesado, Eusápia, em estado de transe, disse-me: “Por que estás a perder o tempo com bagatelas? Sou capaz de fazer com que vejas tua mãe; mas é necessário que penses nisso com veemência.” Impulsionado por essa promessa, no fim de meia hora de sessão, tomou-me o desejo intenso de vê-la cumprir-se e a mesa, levantando-se com os seus movimentos habituais e sucessivos, parecia dar a sua anuência ao meu pensamento íntimo. De repente, em meia obscuridade, à luz vermelha, vi sair dentre as cortinas uma forma um tanto curvada, como era a da minha mãe, coberta com um véu. Contornou a mesa para chegar até a mim, murmurando palavras que muitos ouviram, mas que a minha meia-surdez não me permitiu escutar. Como, sob a influência de uma viva emoção, eu lhe suplicava que as repetisse, ela me disse: “Cœsar, fiol mio!” o que, confesso, não era costume seu, visto que, sendo de Veneza, dizia mio fiol; depois, afastando o véu, deu-me um beijo.”


Lombroso fala, depois, das casas mal-assombradas e diz:


“Convém acrescentar que os casos de casas em que, durante anos, se reproduzem aparições ou barulhos, concordando com a narrativa de mortes trágicas e observadas sem a presença de médiuns, pleiteiam contra a ação exclusiva destes em favor da ação dos finados.” (96)


No Grupo de estudos que por muito tempo dirigi em Tours, os médiuns descreviam aparições de defuntos visíveis apenas a eles, é verdade, mas que nunca haviam conhecido, de quem nunca tinham visto nenhum retrato, ouvido fazer nenhuma descrição, e que os assistentes reconheciam pelas suas indicações.


Às vezes os Espíritos se materializam a ponto de poderem escrever, na presença de pessoas humanas e à sua vista, mensagens numerosas, que ficam como outras tantas provas da sua passagem. Foi o que se deu com a mulher do banqueiro Livermore, cuja letra foi reconhecida como idêntica à que ele possuía durante a sua existência terrestre; (97)mas, muito mais freqüentes vezes, os Espíritos incorporam-se no invólucro de médiuns adormecidos, falam, escrevem, gesticulam, conversam com os assistentes e fornecem-lhes provas certas da sua identidade.


Nesses fenômenos, o médium abandona momentaneamente o corpo; a substituição é completa. A linguagem, a atitude, a letra e o jogo de fisionomia são os de um Espírito estranho ao organismo de que dispõe por algum tempo.


Os fatos de incorporação da Sra. Piper, minuciosamente observados e comprovados pelo Dr. Hodgson e pelos Profs. Hyslop, W. James, Newbold, O. Lodge e Myers, constituem o complexo de provas mais poderoso em favor da sobrevivência. (98) A personalidade de G. Pelham revelou-se, post mortem, aos seus próprios parentes, a seu pai, a sua mãe, aos seus amigos de infância, cerca de trinta vezes, a tal ponto que não deixou dúvida alguma no espírito deles acerca da causa dessas manifestações.


Sucedeu o mesmo com o Prof. Hyslop, que, tendo feito ao Espírito do seu pai 205 perguntas sobre assuntos que ele mesmo ignorava, obteve 152 respostas absolutamente exatas, 16 inexatas e 37 duvidosas, por não poderem ser verificadas. Essas verificações foram feitas no decurso de numerosas viagens efetuadas através dos Estados Unidos para se chegar a conhecer minuciosamente a história da família Hyslop, antes do nascimento do professor, história a que essas perguntas se referiam.


Os Annales des Sciences Psychiques de Paris, julho de 1907, lembram o seguinte fato, que igualmente se produziu na América pelo ano de 1860:


“O grande juiz Edmonds, presidente do Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Nova Iorque, presidente do Senado dos Estados Unidos, tinha uma filha, Laura, em quem surgiu uma mediunidade com fenômenos espontâneos, que se produziram em volta dela e não tardaram a despertar a sua curiosidade, de tal modo, que começou a freqüentar sessões espíritas. Foi então que ela se tornou médium-falante. Quando nela se manifestava outra personalidade, Laura falava por vezes diferentes línguas que ignorava.


Numa noite, em que uma dúzia de pessoas estavam reunidas em casa do Sr. Edmonds, em Nova Iorque, o Sr. Green, artista nova-iorquino, veio acompanhado por um homem que ele apresentou com o nome do Sr. Evangelides, da Grécia. Não tardou a manifestar-se na Senhorita Laura uma personalidade, que dirigiu a palavra, em inglês, ao visitante e lhe comunicou grande número de fatos tendentes a provar que a personalidade era a de um amigo falecido em casa dele, havia muitos anos, mas de cuja existência nenhuma das pessoas presentes tinha conhecimento. De tempos a tempos a donzela pronunciava palavras e frases inteiras em grego, o que deu ensejo a que o Sr. Evangelides lhe perguntasse se podia falar grego. Ele falava efetivamente com dificuldade o inglês. A conversação continuou em grego da parte de Evangelides e alternativamente em grego e inglês da parte da Srta. Laura. Momentos houve em que Evangelides parecia muito comovido. No dia seguinte renovou a sua conversação com a Srta. Laura, depois explicou aos assistentes que a personalidade invisível, que parecia manifestar-se com a intervenção da médium, era a de um dos seus amigos íntimos, falecido na Grécia, irmão do patriota grego Marc Bótzaris. Esse amigo informava-o da morte de um filho seu, também de nome Evangelides, que ficara na Grécia e passava bem no momento em que seu pai partira para a América.


Evangelides voltou a ter com o Sr. Edmonds várias vezes ainda e, dez dias depois da sua primeira visita, informou-o de que acabava de receber uma carta participando-lhe a morte de seu filho. Essa carta devia vir em caminho quando se realizou a primeira conversa do Sr. Evangelides com a Srta. Laura.


“Estimaria – disse o juiz Edmonds a esse respeito – que me dissessem como devo encarar esse fato. Negá-lo é impossível; é demasiado flagrante. Também então podia negar que o Sol nos alumia.”


Isso se passou na presença de oito a dez pessoas, todas instruídas, inteligentes, discretas e também capazes todas de fazerem a distinção entre uma ilusão e um fato real.” (99)


O Sr. Edmonds informa-nos que sua filha não tinha ouvido até então uma palavra em grego moderno. Acrescenta que em outras ocasiões ela chegou a falar mais de treze línguas diferentes, entre as quais o polonês e o indiano, quando, no seu estado normal, apenas sabia inglês e francês, este último como se pode aprender na escola. É preciso notar que o Sr. J. W. Edmonds não é uma personalidade qualquer. Nunca puseram em dúvida a perfeita integridade do seu caráter e as suas obras provam sua luminosa inteligência.


Fenômenos da mesma ordem foram muitas vezes obtidos na Inglaterra. Citemos, nesse número, uma manifestação do célebre Prof. Sidgwick pelo organismo da Sra. Thompson, adormecida. Figura nos Proceedings. O Sr. Piddington, secretário da Sociedade, testemunha do fato, redigiu um relatório que foi lido em sessão de 7 de dezembro de 1903. Fez circular de mão em mão, entre os assistentes, diferentes escritos automáticos, nos quais os amigos e parentes de Sidgwick, o eminente psicólogo que foi o primeiro presidente da Sociedade, reconheceram sua letra. Ao menos uma vez Sidgwick ter-se-ia esforçado por falar pela boca da Sra. Thompson. O Senhor Piddington descreveu essa cena como a experiência mais realista e impressionante que se encontra em todo o curso das suas investigações. “Não era, diz ele, como se tivesse sido Sidgwick; era ele realmente, ao que se podia julgar.” A personalidade de Sidgwick fez alusão, entre outras coisas, a um incidente que se dera numa das reuniões do Conselho de direção da Society, “e do qual, pode-se dizer com certeza quase absoluta, a Sra. Thompson não podia ter conhecimento”. Uma das pessoas que assistiam à sessão, membro do Conselho de direção, o Sr. Arthur Smith, levantou-se para declarar que se lembrava muito bem daquela circunstância.(100)


Relataremos ainda um fenômeno de comunicação durante o sono, obtido pelo Sr. Chedo Mijatovitch, ministro plenipotenciário da Sérvia, em Londres, e reproduzido pelos Annales des Sciences Psychiques, de 1º e 16 de janeiro de 1910.


“A pedido de espíritas húngaros, para que se pusesse em relação com um médium, a fim de elucidar um ponto de História a respeito de um antigo soberano sérvio, morto em 1350, dirigiu-se à casa do Sr. Vango, de quem muito se falava por essa época e a quem nunca tinha visto até então. Adormecido, o médium anunciou a presença do Espírito de um jovem, ansioso por se fazer ouvir, mas de quem não compreendia a linguagem. No entanto, acabou conseguindo reproduzir algumas palavras.


Elas eram em sérvio, sendo esta a tradução: “Peço-te escrever à minha mãe Nathalie, dizendo-lhe que imploro o seu perdão.”


O Espírito era o do rei Alexandre.


Chedo Mijatovitch não duvidou, ainda mais quando novas provas de identidade logo se ajuntaram à primeira: o médium fez a descrição do defunto e este mostrou seu pesar por não ter seguido um conselho confidencial que lhe havia dado, dois anos antes de ser assassinado, o diplomata consultante.”


Na França, entre um certo número de casos, assinalaremos o do abade Grimaud, diretor do asilo dos surdos-mudos de Vaucluse. Por meio dos órgãos da Sra. Gallas, adormecida, recebeu, do Espírito Forcade, falecido havia oito anos, uma mensagem pelo movimento silencioso dos lábios, de acordo com um método especial para surdos-mudos, que esse Espírito inventara, comunicado ao abade Grimaud, venerável eclesiástico, que era o único dos assistentes que podia conhecê-lo. Pouco tempo há que publicamos a ata dessa notável sessão com as assinaturas de doze testemunhas e o atestado do abade Grimaud. (101)


O Sr. Maxwell, advogado geral no Tribunal de Apelação de Bordéus e doutor em Medicina, na sua obra Phénomènes Psychiques (102) estuda o fenômeno das incorporações, que observou em casa da Sra. Agullana, esposa de um estucador, e assim se exprime.


“A personalidade mais curiosa é a de um médico falecido há cem anos. A sua linguagem médica é arcaica. Dá às plantas os nomes medicinais antigos. O seu diagnóstico é geralmente exato; mas, a descrição dos sintomas internos que ele vê é bem própria a causar admiração a um médico do século XX... Há dez anos que observo o meu colega de além-túmulo. Não tem variado e apresenta uma continuidade lógica surpreendente.”


Eu mesmo observei freqüentes vezes esse fenômeno. Pude, como em outra parte expus, (103) conversar por intermédio de diversos médiuns, com muitos parentes e amigos falecidos, obter indicações que esses médiuns não conheciam e que, para mim, constituíam outras tantas provas de identidade. Se levarmos em conta as dificuldades que comporta a comunicação de um Espírito a ouvintes humanos, por meio de um organismo e, particularmente, de um cérebro que ele não apropriou, a que não deu flexibilidade mediante uma longa experiência; se considerarmos que, em razão da diferença dos planos de existência, não se pode exigir de um desencarnado todas as provas que a um homem material se pediria, é preciso reconhecer que o fenômeno das incorporações é um dos que mais concorrem para demonstrar a espiritualidade e o princípio da sobrevivência.


Não se trata, nesses fatos, de uma simples influência a distância. Há um impulso a que o sujet não pode resistir e que na maior parte das vezes se transforma em tomada de posse do organismo inteiro. Esse fenômeno é análogo ao que verificamos nos casos de segunda personalidade. Neste, o “eu” profundo substitui o “eu” normal e toma a direção do corpo físico, com um fim de fiscalização e regeneração. Mas, aqui é um Espírito estranho que desempenha esse papel e substitui a personalidade do médium adormecido.


As palavras possessão ou posse, de que acabamos de nos servir, foram muitas vezes tomadas em sentido lamentável.


Atribuía-se no passado aos fatos que elas designam um caráter diabólico e terrificante, como muito bem disse Myers: (104)“O diabo não é criatura desconhecida pela Ciência. Nesses fenômenos achamo-nos somente na presença de Espíritos que foram outrora homens semelhantes a nós e que estão sempre animados dos mesmos motivos que nos inspiram.”


A esse propósito Myers faz uma pergunta: “É a possessão algumas vezes absoluta?”... e responde nestes termos: “A teoria que diz que nenhuma das correntes conhecidas da personalidade humana esgota toda a sua consciência e que nenhuma das suas manifestações conhecidas exprime toda a potencialidade do seu ser, pode igualmente se aplicar aos homens desencarnados.” (105)


Com isso abordaríamos o ponto central do problema da vida humana, a mola secreta, a ação íntima e misteriosa do Espírito sobre um cérebro, quer sobre o seu, quer, nos casos de que nos ocupamos, sobre um cérebro estranho.


Considerada sob esse aspecto, a questão toma importância capital em Psicologia. Myers acrescenta:(106)


“Com o auxilio desses estudos, as comunicações cada vez se tornarão mais fáceis, completas, coerentes, e atingirão nível mais elevado de consciência unitária. Grandes e numerosas devem ter sido as dificuldades; mas nem de outro modo pode ser quando se trata de reconciliar o espírito com a matéria e de abrir ao homem, do planeta onde está encarcerado, uma fresta para o mundo espiritual...


Assim como, pela clarividência migratória (Myers chama assim à clarividência dos sonâmbulos), o Espírito muda de centro de percepção, no meio das cenas do mundo material, assim também há transmissões espontâneas do centro de percepção para as regiões do mundo espiritual. A concepção do êxtase, no seu sentido mais literal e sublime, resulta assim, sem esforço, quase insensivelmente, de uma série de provas modernas.


Em todas as épocas tem-se concebido o Espírito como suscetível de deixar o corpo ou, se não o deixa, de estender consideravelmente o seu campo de percepção, fazendo nascer um estado que se parece com o êxtase. Todas as formas conhecidas de êxtase concordam neste ponto e se baseiam num fato real.”


Vê-se que, graças a experiências, a observações, a testemunhos mil vezes repetidos, a existência e a sobrevivência da alma saem doravante do domínio da hipótese ou da simples concepção metafísica, para se converterem em realidade viva, em fato rigorosamente averiguado. O sobrenatural tocou o termo de seus dias; o milagre já não passa de uma palavra. Todos os terrores, todas as superstições que a idéia da morte sugeria aos homens se desfazem em fumo. Dilata-se a nossa concepção da vida universal e da obra divina e, ao mesmo tempo, a nossa confiança no futuro se fortifica. Vemos nas formas alternadas da existência carnal e fluídica o progresso do ser, o desenvolvimento da personalidade prosseguindo e uma Lei Suprema presidindo à evolução das almas através do tempo e do espaço.